DESERTO DO ATACAMA SE TRANSFORMA EM LIXÃO
27-11-2022

Montanhas de roupas usadas, carros e pneus de todo o mundo poluem o vasto deserto do Atacama, no norte do Chile, um ecossistema de equilíbrio frágil que se tornou o lixão do planeta.
"São os sem escrúpulos do mundo que vêm jogar o lixo aqui (...) Não somos mais nem o quintal do bairro, somos o quintal do mundo, o que é pior", lamenta Patricio Ferreira, prefeito de Alto Hospicio, onde toneladas de roupas usadas são despejadas entre as colinas que cercam a comunidade.
Na vizinha Iquique, também se acumulam milhares de carcaças de carros e pneus. São tantos que passaram a ser usados para construir muros de casas.Roupas e veículos entram no Chile pela Zona Franca de Iquique (Zofri), um dos mais importantes centros de comércio livre de impostos da América do Sul.No ano passado, segundo o Serviço Nacional de Alfândegas, entraram no Chile 46.287 toneladas de roupas usadas, no valor de 49,6 milhões de dólares CIF (valor do produto, mais transporte e seguro).Milhares de carros usados também chegam ao Chile pela Zofri, a maioria com volante do lado esquerdo, que aqui é adaptado.Boa parte dos carros é reexportada para Peru, Bolívia e Paraguai, mas muitos acabam abandonados nas ruas e vales do Atacama.No depósito municipal de Los Verdes, no norte de Iquique, foram retirados das ruas 8.400 veículos.
Falta de consciência global
A fragilidade do deserto e dos que vivem em seu entorno levaram a advogada Paulín Silva, de 34 anos, a entrar com uma ação contra o Estado do Chile pelos danos ambientais."Parece-me que temos que encontrar os responsáveis", explicou à AFP em um morro de roupas usadas jogadas fora no setor La Pampa de Alto Hospicio.Há camisas - algumas novas e com etiquetas - roupas de bebê, calças e sapatos. Também pilhas de pneus, em uma imagem pós-apocalíptica que se repete em várias áreas desta região que é hoje uma das mais pobres do Chile.Um quarto dos seus 160.000 habitantes não tem água potável."Há muitos migrantes, muita pobreza, muitos viciados em drogas e não há ninguém que coordene as ações (ambientais)", diz Silva.Em seu processo, anexou imagens de satélite mostrando o crescimento exponencial dos depósitos de roupas."Isso não é produto da população de Alto Hospicio ou do norte do Chile. É um problema de falta de consciência global, de falta de responsabilidade ética e de proteção ambiental", denuncia o prefeito Ferreira.Mais da metade das roupas usadas que entram no Chile é descartada e vai parar no deserto. Para escondê-la, queima-se e enterra, gerando um problema ambiental adicional de fumaça tóxica."A questão é como acabar com a causa desse problema. O que o mundo faz com isso? O que o Chile faz com isso?", questiona o prefeito de Alto Hospicio.Para a advogada, há uma responsabilidade do Estado chileno ao permitir a existência dessas montanhas de lixo: "Há um dever de vigilância", afirma.O juiz Mauricio Oviedo, titular do Primeiro Juizado Ambiental do Chile, onde tramita o processo, defende uma solução integral para o descarte de roupas."Parece-me que o Estado do Chile como um todo, com outras repartições (...), deveria olhar para este problema de forma sistêmica", disse à AFP.
"Deserto não tão deserto"